MARIA MADALENA ERA UMA PROSTITUTA?

Maria Madalena é uma das personagens bíblicas mais conhecidas. É a mulher mais citada no Novo Testamento (doze vezes); mas o que a faz famosa é a crença de que ela teria sido uma prostituta que foi transformada pela palavra de Cristo: a famosa Madalena Arrependida, exemplo de arrependimento e transformação para os pecadores.

As fontes que temos sobre a vida de Maria Madalena são os Evangelhos canônicos (reconhecidos como inspirados por Deus) e os Evangelhos apócrifos. Estes últimos não são confiáveis como fonte de informação verídica sobre Madalena, pois foram escritos bem depois da época em que ela viveu, além de serem produto das seitas heréticas gnósticas, as quais distorciam os ensinos de Jesus.

O curioso é que em nenhum lugar da Bíblia (e até mesmo nos evangelhos apócrifos) se diz que Maria Madalena fosse prostituta ou a mulher apanhada em adultério do oitavo capítulo de João.

O livro de Dan Brown, O Código Da Vinci, polemizou mais o assunto, pois o autor, baseado no evangelho apócrifo de Filipe, afirma como verdade histórica que Jesus se casou com Madalena e teve filhos com ela. Tal fantasia se mostra mentirosa por si mesma.

No entanto como até no meio evangélico é corrente pensar em Maria como ex-prostituta, faz-se necessário sabermos o que realmente a Bíblia nos diz sobre essa discípula de Cristo.

Maria de Magdala

Maria Madalena é assim chamada por ser de Magdala, aldeia de pescadores que ficava na costa oeste do mar da Galiléia, próxima a cidade de Tiberíades. O Novo Testamento nos relata que Cristo expulsou dela sete demônios (Marcos 16.9; Lucas 8.2) e depois ela se tornou uma das mulheres que acompanharam e seguiram a Jesus (Lucas 8.2-3). Junto com outras mulheres, permaneceu aos pés da cruz (Marcos 15.40; Mateus 27.56; Lucas 23.49; João 19.25) e assistiu ao sepultamento do Mestre (Mateus 27.59-69; Marcos 15.46-47; Lucas 23.55,56). Deixando passar o sábado, que era dia de descanso, Maria vai, na madrugada de domingo, aplicar especiarias no corpo de Jesus, conforme o costume, e se torna a primeira testemunha da ressurreição de Cristo (Mateus 28.1-8; Marcos 15.1-19; Lucas 24.1-10; João 20.1-18).

Lendas

Fora o que foi dito acima, nada pode ser afirmado com certeza a respeito de Maria Madalena. Porém, muitas lendas surgiram em torno dela. De acordo com uma antiga tradição dos antigos cristãos do Oriente, Maria Madalena acompanhou João e Maria, mãe de Jesus, a Éfeso, onde morreu e foi enterrada. Um das lendas da Idade Média diz que ela foi prometida ao apóstolo João.

Uma outra lenda antiga, que a confunde com Maria, irmã de Lázaro, diz que ela viajou para Marselha na Gália (França) com Marta e Lázaro e outros para evangelizar a região. Segundo essa lenda, ela passou 30 anos de sua vida cumprindo penitência na caverna de La Saint-Baume nos Alpes Marítimos e foi milagrosamente transportada pouco antes de sua morte, para a capela de Saint-Maximin e enterrada em Aix. 

Ao longo dos séculos a arte cristã tem representado Maria Madalena, através da escultura e da pintura, como uma mulher de cabelos longos e com uma jarra de óleo nas mãos.

Maria Madalena apócrifa


Os escritos apócrifos (Evangelho de Maria, Proto-Evangelho de Tiago, Evangelho de Filipe e Pistis Sophia) consideram Maria Madalena como o espírito da Sabedoria descrita em Provérbios oito; a personificação da gnosis (conhecimento); amada de Jesus; adversária de Pedro; ministra da evangelização; discípula e apóstola de Jesus; a apóstola dos apóstolos. Nesses textos não se afirma que Maria teria sido prostituta ou uma mulher adúltera. De onde vem então essa associação? Por que se pensa que Madalena era prostituta?

Do que vimos acima, percebe-se que a Bíblia nada diz sobre a vida de Maria Madalena antes de sua conversão, a não ser o fato de que foi liberta por Cristo de sete demônios. Realmente uma situação terrível, porém isso não quer dizer que Madalena tivesse uma vida devassa. De onde vem então a crença de Maria Madalena era prostituta? Vem da confusão de Maria Madalena com a pecadora mencionada no capítulo sete de Lucas que ungiu os pés de Cristo e da confusão desta com Maria, irmã de Lázaro que também ungiu Jesus. Posteriormente, associou-se Madalena à história da mulher adúltera do evangelho de João. Ou seja: a pecadora de Lucas 7 = Maria de João 12 = Maria Madalena = mulher adúltera. Por ser pecadora, a mulher de Lucas 7 foi identificada com Madalena, que foi possuída por muitos demônios, e a associação de Maria de Betânia com a pecadora de Lucas 7 se deve ao fato de ambas ungirem os pés de Jesus. Porém, deve se observar que a pecadora lavou os pés de Jesus com as próprias lágrimas, enquanto que Maria de Betânia com o perfume.

Nas passagens paralelas com a unção de Betânia em Mateus 26.6-13 e Marcos 14.3-9, se menciona a unção da cabeça de Jesus. Porém é o mesmo episódio: no costume da hospitalidade oriental se ungia a cabeça e se lavava e ungia os pés. João frisou a unção dos pés, enquanto Mateus e Marcos a da cabeça.

A unção da pecadora de Lucas e a de Maria de Betânia têm de semelhante o nome do dono da casa e a forma em que é realizada a unção, mas uma série de fatos mostra que são episódios diferentes:

Simões diferentes. O Simão de Lucas é chamado fariseu; o de Betânia, leproso. Simão era um nome comum na época e se usavam qualificativos para se distinguir as pessoas. Como o qualificativo é diferente, os Simões são diferentes.

Lugares diferentes. A unção da pecadora se dá numa cidade (Lucas 7.37) que provavelmente é Naim, mencionada anteriormente (Lucas 7.11). A unção de Maria se dá na aldeia de Betânia (João 12.1).

Épocas diferentes. A unção de Betânia se dá no final do ministério de Jesus, próxima da sua derradeira Páscoa, e de seu sepultamento (Mateus 26.2,12; Marcos 14.1,8; João 12.1,7). Já a unção da cidade se dá quando Jesus ainda estava em um ministério itinerante como se depreende de Lucas 8.1, que a o contexto subseqüente do episódio da pecadora.

Portanto, são episódios e pessoas diferentes. Mas, seria Madalena a pecadora de Lucas 7? Pouco provável, pois nenhum texto do Novo Testamento faz essa identificação, a qual depende da confusão com Maria de Betânia e não é, portanto, uma tradição independente, mas fruto de um mal entendido, que por ser antigo se tornou tradicional e popular.

Seria Madalena a mulher adúltera de João 8? Provavelmente não, pois mulheres livres não adulteram, nem as solteiras, mas, somente as noivas e as casadas. Que Madalena não era casada se evidencia por sua liberdade de seguir a Cristo, o que seria improvável se fosse casada, e por não ser mencionado o nome de seu marido, o que na sociedade da época era comum. Quando se quer distingui-la de outras Marias, se usa o gentílico madalena. O normal seria mencionar o nome de seu esposo se fosse casada.

Além disso, o texto de João 7.53-8.11 que narra a história da mulher adúltera, embora seja histórico (realmente aconteceu) e canônico (faz parte da Palavra de Deus escrita) não consta nos mais antigos manuscritos do Novo Testamento, aparecendo em alguns manuscritos antigos no texto de Lucas. É uma história real da vida de Cristo que se propagou independente dos evangelhos e se fixou no texto de João; essa passagem, porém foi pouco conhecida e comentada pelos primeiros cristãos, sendo usada no culto a partir o século V d.C. e praticamente só comentada no século XII. A identificação da mulher adúltera com Madalena veio depois dessa já estar identificada como uma mulher pecadora, e no decorrer dos anos todas essas mulheres se confundiram. Mas como foi isso?

Maria de Magdala: de apóstola dos apóstolos para pecadora e adúltera

A primitiva comunidade cristã tinha grande estima por Maria Madalena, mais pelo seu papel na ressurreição do que pela redenção de sua vida pregressa. Por ter sido comissionada por Cristo a anunciar Sua ressurreição aos demais discípulos, Madalena passou a ser estimada como modelo de evangelização, a apóstola dos apóstolos. 

No segundo século depois de Cristo, o teólogo Tertuliano de Cartago (150-222), em seu tratado De Pudicitia, confunde e identifica Maria Madalena, Maria de Betânia e a pecadora de Lucas 7 como uma mesma pessoa. No entanto, pela mesma época, outro grande teólogo, Irineu de Lion (c. 130-202 d.C.) distingue em seus escritos as três pessoas. Orígenes de Alexandria (185-254 d.C.) discutiu a possibilidade das três personagens serem a mesma mulher, mas rejeitou essa identificação.

Hipólito de Roma (170-235 d.C.), escrevendo sobre o Cântico dos Cânticos, ressalta o amor espiritual de Madalena por Cristo e compara a busca da Amada pelo Amado no poema de Salomão com a busca de Madalena por Jesus no sepulcro e no jardim. Ele a intitula de "Apóstola dos Apóstolos". Jerônimo (342-420 d.C.), em sua obra Principium Virginem, ressalta seu privilégio de ver Cristo ressuscitado mesmo antes dos apóstolos por causa da força da sua fé. Pedro Crisólogo (380-450) a vê como figura da Igreja.

Apesar dessa exaltação de Madalena, a tradição da prostituta redimida oriunda da confusão das três mulheres ia crescendo e ganhando vulto. Em contra partida, as seitas heréticas gnósticas exaltavam Madalena como a companheira predileta de Cristo e personificação da Sabedoria divina.

Como passar do tempo, a virgindade passou a ser valorizada como modelo de espiritualidade, encontrando seu grande referencial em Maria, mãe de Jesus; Maria Madalena passa gradativamente a ser o referencial da pecadora redimida. Agostinho de Hipona (354-430 d.C.) foi um dos poucos teólogos ocidentais que distinguiam as três mulheres e ressaltavam o papel de Madalena na ressurreição de Cristo. Os teólogos ligados à tradição cristã do Oriente continuaram exaltando Madalena por seu papel na ressurreição. Cirilo de Alexandria (370-444 d.C.) e Proclus de Constantinopla (390-446 d.C.) afirmam que a aparição de Cristo ressuscitado às mulheres, em especial, a Madalena, visava honrá-las. Gregório de Antioquia, em c. de 593, chama Madalena e as mulheres que foram ao sepulcro de "primeiras apóstolas".

No entanto, na parte ocidental da Igreja, que estava sob a influência do bispo de Roma, prevalecia a ênfase no mito da prostituta perdoada. O Papa Gregório I (540-604 d.C.) em uma pregação ao povo de Roma, que passava por enormes dificuldades (fome, guerra e peste), utilizou o exemplo de Maria Madalena como a prostituta que se arrependeu, e só por isso foi curada, passando o resto da vida em penitência. Esse exemplo foi utilizado para demonstrar que o povo necessitava de fé e penitência. Com isso, Gregório I oficializou e deu por certo o antigo erro de identificar Maria Madalena, Maria de Betânia e a pecadora de Lucas como uma mesma mulher.

No entanto, na Igreja Oriental continuava a se pensar diferente como testemunha Modestus, patriarca de Jerusalém, em 630, que acreditava, contrariando a crença tradicional sobre Madalena, que ela havia morrido virgem e mártir, e que fora líder das discípulas.

Mas, no ramo ocidental da Igreja perpetuou-se a crença de que Maria de Magdala era a pecadora que ungiu os pés de Jesus e ao mesmo tempo seria Maria de Betânia e a mulher adúltera. A partir do século X, inúmeras "Vidas" de Maria Madalena foram escritas. Maria Madalena foi proclamada, em 1050, padroeira de uma abadia de monjas beneditinas. Isso visava mostrar que Maria Madalena se arrependeu e tornou-se eremita, incentivando a entrada de mulheres para as ordens religiosas.

Mas, como Maria poderia ser denominada através de duas cidades diferentes? Ela era de Magdala ou de Betânia? A imaginação humana sempre encontra saídas mirabolantes para as dificuldades que se lhe apresentam. E no caso de Madalena, em vez de se estudar a Bíblia e rejeitar uma crença errada, criou-se outra fantasia: No século XII, Iacopo de Varazze, em sua Legenda Áurea (a biografia dos Santos) diz que ela era oriunda de uma família rica de Betânia, que morava em um castelo chamado Magdala. Com a morte dos pais, Marta teria herdado a vila de Betânia e ela o castelo, daí o seu nome. Honório de Autun, pensador da mesma época, em seu Speculum Ecclesiae (tratado sobre pecado, perdão e penitência) atribui a Maria Madalena o adultério e uma vida promíscua e por isso cheia de demônios, tendo sido salva pela clemência de Cristo.

Nada disso se encontra na Bíblia, nem na História. Porém, quando algo é crido por muitos séculos é difícil e polêmico de ser contestado e revisto. Embora o Catolicismo mais erudito não creia que Madalena fosse prostituta e adúltera, o Catolicismo popular o crê firmemente.

E os evangélicos? Geralmente crêem, por tradição e por ignorância das Escrituras. Por que duvidar do que todo mundo diz sobre Madalena? Só que nem todo mundo estuda a Bíblia. Quando me converti achava que na Bíblia estavam escritas as seguintes frases: “De 1000 passarás, mas de 2000 não passarás”, “Os justos pagarão pelos pecadores” e “aqui se faz, aqui se paga”. Para minha surpresa, quando li a Bíblia vi que nada disso estava escrito. Também acreditava que Madalena era a mulher adúltera, e mesmo lendo e estudando a Bíblia, só depois de anos é que constatei que cria em algo errado ou no mínimo, improvável.


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