Por Gutierres Fernandes Siqueira
Infelizmente, os evangélicos brasileiros, em sua maioria, professam a
doutrina de Pelágio [1]. Bom, resumindo de forma rápida e superficial, o
pelagianismo é a ênfase nas boas obras para a salvação. Portanto, em uma
comunidade evangélica a resposta que você mais ouvirá para a pergunta “você é
salvo?” será um “estou me esforçando”! A resposta é simplesmente trágica,
antibíblica e religiosa. Nesse sentido, o evangelicalismo brasileiro mata a
principal ênfase do protestantismo e se volta para o pior do catolicismo
popular. E não pense que esse problema é exclusivo de denominações arminianas,
pois em comunidades calvinistas há, também, inúmeros pelagianos.
Nada mais distante do
Evangelho do que a crença que a salvação seja fruto do NOSSO esforço. Como diz
M. James Sawyer: “A doutrina da depravação humana e sua doutrina correlata, a
necessidade de salvação vinda de Deus e pela graça, pertencem ao centro da rede
da proclamação cristã” [2]. O pelagianismo não é um erro bobo- ou uma mera
questão secundária- mas sim uma doutrina importante para mostrar onde está a
nossa confiança salvífica. Em quem confiamos? Em nossa própria capacidade
caridosa? Nas atitudes legalistas e moralistas? Na autojustificação? No mito da
“bondade nata” da modernidade? Ou de fato cremos em Cristo como o nosso salvador?
Não falo em
semipelagianismo, pois é difícil que, na essência, algo seja simplesmente
“semi”. A frase mencionada acima expressa bem um pensamento pelagiano. Mas é
interessante observar que o discurso do "eu fazer" para
"ser salvo" não se restringe a essa frase. Observe como as pregações
mencionam mais o nosso papel do que o papel de Deus no processo salvífico. E a
santificação? Quase se esquece que ela
também é recebida pela graça. Veja, por exemplo, como o pensamento de Paulo
centraliza que a santificação, igualmente como a salvação, também depende de
uma ação divina: “Jesus Cristo, nosso
Senhor, pelo qual recebemos a graça [...] para a obediência da fé entre todas as gentes pelo seu nome, entre as quais sois também vós chamados para serdes de Jesus Cristo." [Romanos 1.4-6]. Portanto, se você obedece é porque Deus lhe deu essa graça. Isso não vem de nós, pois somos naturalmente tendenciosos para o mal.
É grave notar que o pelagianismo tomou o nosso discurso de forma que nem
nos incomodamos. A ação humana é sempre mais valorizada do que a ação divina. É
a divinização do próprio homem. Os sermões falam em “dez atitudes para isso” ou
“oito ações para aquilo”. Tudo é o “eu quem faço”. A santificação, quando
pregada, sempre enfatiza a ação ativa e nada da ação passiva, onde somos cheios
pelo Espírito Santo para viver uma vida minimamente decente.
Portanto, o pelagianismo é um gravíssimo problema da práxis e da
concepção salvífica dos evangélicos. Estamos cada vez mais católicos, mas,
infelizmente, naquilo que o catolicismo tem de pior...
Encerro este texto com dois
trechos do belíssimo Grata Nova, hino de número 18 da Harpa Cristã.
Veja como o Evangelho está em destaque nessa letra:
Com ofertas e obras mortas,
Sacrifícios sem valor,
Enganado, pensa o homem,
Propiciar Seu Criador,
Meios de salvar-se inventa;
Clama, roga em seu favor,
A supostos mediadores,
Desprezando o Deus de amor.
Luz divina, resplandece!
Mostra ao triste pecador,
Que na cruz estão unidos
A justiça e o amor.
Fala aos corações feridos,
Mostra-te, Deus Salvador;
E sem fim, proclamaremos:
“Deus é luz! Deus é amor!”
Notas e Referências:
[1] Pelágio da Bretanha
(350 — 423) foi um monge ascético a quem se atribui a defesa de crenças como a
autonomia humana para a salvação, a natureza humana como neutra e a negação do
pecado original. O seu principal oponente teológico fora Agostinho
de Hipona (354- 430).
[2] SAWYER, M. James. Uma Introdução à Teologia. 1 ed. São Paulo: Editora Vida, 2009. 183.
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